Calma pessoal, é claro que a Barbara Mori é uma excelente atriz! Mas precisamos esclarecer algumas coisas para não sair reproduzindo falas vazias de conhecimento na internet. Como por exemplo, eu leio muito em grupos sobre telenovelas a frase "Barbara Mori é única Rubi"; "Melhor Rubi é a original da Barbara Mori".
Eu como educador, professor e Historiador eu fico preocupado com o problema que as pessoas tem de reproduzir frases ou palavras sem fazer "uma pesquisa antes". Eu mesmo de vez em quando me pego em contradições por palavras ou frases que eu defendo, e de imediato vou até o Google, e pergunto, "esse acontecimento é verdadeiro?" - Mas muita gente não sabe utilizar essa ferramenta que facilitou a pesquisa no mundo desde os anos 1990.
Trechos em vermelho contém spoilers mais pesados!
Por: Fabiano Cabral de Lima
Professor de História
2. Tecnologia, História e a Dramaturgia nos anos 2000:
Antes dos anos 1990 ter informações sobre novelas, filmes, música no Brasil era difícil, ou você sabia as informações pelos jornais ou revistas que chegavam até as bancas, ou pela televisão e rádio. Ou quem sabe aquele seu amigo mais rico, que viajava para outros lugares distantes e trazia materiais em audio ou video, como fitas, cds e dvds daquele artista que para você era desconhecido. Hoje a internet possibilita que um artista que acabou de estourar de sucesso lá na Coreia do Sul, imediatamente seja ouvido e assistido em qualquer lugar do planeta. Algo que Eric Hobsbawn, Historiador, descreve no livro Era dos Extremos (1994), no capitulo "Feiticeiros e Aprendizes" descreve o que a Historia no tempo imediato vive: O avanço das tecnologias promovida pelo avanço das ciências matemáticas e tecnológicas, promoveu um avanço também das formas que o Historiador pode investigar a História. Essas ciências contribuíram para que a tecnologia nos tornasse cada vez mais próximo das evidencias históricas, acompanhamos no imediato algo que se torna Histórico. As fontes também cada vez mais se variam e se tornam acessíveis com o avanço tecnológico.
A tabela abaixo é uma representação do crescimento por numero da quantidade de residências que tinham e não tinham televisão no Brasil (Fonte: IBGE)
4. A primeira adaptação pra Televisão - 1968:
A primeira vez que o Argumento de Yolanda Vargas Duche foi adaptado, foi em 1968, pelo Telesistema Mexicano de Televisión, hoje chamado de Televisa. Uma atriz famosa na época fez a protagonista, Fanny Cano, atriz que era comum ser vista nas capas de revista, em festas ou trabalhando como modelo ou manequim. A História fez sucesso na época, e foi inclusive utilizada como propaganda as redes sociais em 2020, para mostrar que a primeira Rubí foi a de Fany Cano, falecida em 1983. A Televisa nas redes sociais também divulgou curiosidades sobre a autora do texto original, Yolanda Vargas Dulché conforme as imagens abaixo do site do Las Estrellas (canal de entretenimento da Televisa) e do Instagram: @Rubi.laserie.
A virada dos anos 1960 para os anos 1970 significou na História avanços e também retrocessos na política mundial. Foi o período da Guerra Fria, em que EUA rivalizava a URSS pela conquista de poder financeiro, fazendo inclusive os EUA apoiar ditaduras militares nas américas temendo o crescimento de politicas socialistas no entorno do território. Foi o período em que a contracultura teve grandes manifestações nos EUA, movimentos pelos direitos das mulheres, negros e gays tomam as ruas de países aonde a democracia ainda era aberta. Em 17 de outubro de 1953, o México avançou na regulamentação ao reconhecer as mulheres como cidadãs da República, ou seja, mulheres cerca de 10 anos antes da versão ir para televisão não eram consideradas cidadãs e com direitos civis (NAKAMURA e SALGADO, 2010).
Rubí é uma protagonista e ao mesmo tempo tratada como antagonista, sendo ela quem ganha o nome como título da obra, mas torna-se uma crítica a ambição. Questionamos, porque num momento em que parte da liberdade política das mulheres tinha acabado de ser conquistada?
A História que vem ao ar na televisão é: sobre a ambição de uma mulher que quer dominar um poder através do dinheiro. Nesta mesma época observamos que o cinema americano explorava o arquétipo da "Femme Fatale" da mulher que seduzia homens para dominá-los. Também neste mesmo perfil tem as "Vamps", que tem a mesma linha da Femme Fatale (CAMPOS, 2019), e que eram cruéis e sempre rondavam os mocinhos dos filmes. Geralmente essas personagens antagonizavam com personagens mocinhas bondosas que respeitavam o padrão heteronomartivo e religioso da sociedade de época. Mas Rubí era diferente, ela era a protagonista da trama, uma anti-heroína.
5. Rubí, o Filme (1970)
Desta vez a adaptação foi encarnada pela atriz Irán Eory (conhecida no Brasil por fazer Dona Vitória De La Veja, Matriarca da Familia De La Veja em Maria do Bairro (Televisa, 1996). Fotos da atriz na época de Rubí e Maria do Bairro, e o link para assistir o filme, estão abaixo.
Mais uma vez, a femme fatale, encarnada pela personagem Rubí (1970) agora ganha o mundo em formato de película. Não temos dados de quantos cimenas no mundo receberam a cópia do filme, mas é importante compreendermos a proximidade dos EUA com o México no sentido de fronteira, o que faz com que muitos mexicanos estejam morando nas terras dos EUA, e um possível público na época. Vale também os mesmos questionamentos políticos relatados anteriormente no texto, e mais um: Porque punir a mulher no final por ela ser ambiciosa? Seria um castigo por consequência de querer casar-se por dinheiro para conquistar um poder aquisitivo? Porque as pessoas se importam com a vida privada alheia neste sentido? Porque julgar se a ação de Rubí é certa ou errada?
6. Rubí (Barbaraminions acham que é a única) Televisa, 2004/SBT, 2005:
Os anos 2000 como mostramos os dados sobre o crescimento do consumo de televisão no Brasil, e vemos que é o momento que o meio de comunicação chega a mais de 90% das residências. Foi nesse momento que Rubí chegou na sessão que antes era chamada de "Tardes de Amor" nas tardes do SBT. Começa com aquela abertura que todo mundo arrisca a cantar a música, encomendada pelos produtores aos cantores Reyli Barba e Diego Torres. Uma musica dançante, misto de pop com tango, quem assistiu lembra do refrão: "mujer de nadie, mujer de todos, mujer que mata...".
No ano de 2004 a Televisa trouxe um sucesso do passado que estava guardado, e chamou Barbara Mori para interpretar a personagem principal. Barbara, de origem Uruguaia, e já tinha protagonizado 6 telenovelas. Algo que aparece nas cenas da novela é o aparelho de telefone celular, que é a principal ferramenta comunicação em formato de conversas e mensagens de texto entre os personagens. Foi o momento em que a telefonia celular crescia no mundo, e a linguagem estava se transformando com as mensagens de texto. Foi reprisada pela emissora três vezes nos anos de 2006, 2013 e 2016. As duas ultimas reprises, foram mostradas no Brasil em período em que a Internet estava dominando os meios de comunicação, inclusive é possivel resgatar memes da internet da época, como a Dona Neide, uma mulher que ficou famosa no ano de 2015 por pedir para um programa de sensacionalismo policial, que o Silvio Santos não reprise a novela Rubí, porque ela era a própria Rubí e o SBT não tinha o direito assinado por ela.
Alguns memes em formato de imagens gerados nas épocas:
Sem dúvidas as reprises chegaram em um momento que a tecnologia da informação estava ganhando um novo protagonismo, a do computador que estava ocupando cada vez mais os lugares de entretenimento entre as pessoas, no Brasil. Vemos abaixo o crescimento do consumo de internet por computador ou outros meios de comunicação (tablets e celulares) no Brasil, por residência, entre os anos de 2004 e 2015 (IBGE, 2015).
7. A Rubí asiática! (ABS-CBN/Televisa, 2010)
Essa versão não tem muitas evidências sobre como foi produzida. A emissora filipina ABS-CBN, tinha uma parceria com a Televisa, produzindo diversas versões proprias de sucessos da mexicana. A parceria deu certo, e rendeu uma versão de Maria do Bairro teve um ano depois, pela mesma emissora em 2011.
A Rubí nesta versão teve a sua História alterada. Não tem spoiler pois ela não é acessivel e é bem diferente numa primeira fase das versões que são acessíveis para os Brasileiros. Ela é filha de uma mulher que sofre violência doméstica, e ao fugir do marido, é presa, e é separada da filha. Ela a reencontra nas ruas quando criança, reconhecendo-a por uma marca triangular vermelha de nascença nas suas costas. A menina se torna adolescente, e se torna amiga de uma jovem que sofre bullying por usar um extensor na perna, por ter uma perna mais curta. Rubi briga com as colegas de escola defendendo a menina, e esta menina a leva para sua casa. Rubi descobre que esta menina é milionária, e que tem um pretendente também milionário, Heitor, que não gosta muito da menina que é manca... a partir daí é a História que vocês conhecem... ou vão conhecer. Há um trailer não oficial disponível no youtube, e nele podemos ver como é comum o microcomputador em formato de notebook, como uma ferramenta de meio de comunicação entre os personagens. Isso demostra a mudança tecnológica entre a versão de 2005 e esta versão. Vejam abaixo. Abaixo do vídeo algumas fotos utilizadas na internet para divulgar a versão de 2010. O nome da atriz que interpretou a adolescente Rubí é Angelica Panganiban.
8. Rubí (2020) - CHEGOU A VEZ DA REPARAÇÃO HISTÓRICA!
A Televisa vinha entre os anos de 2014 e 2020 passando por uma crise de audiência, pois a concorrente TV Azteca, e a Estadunidense Telemundo estavam lançando novelas realistas, abordando a questão política e do narcotráfico como foi o supersuceso La Reina Del Sur, pela Telemundo, 2011. Midias em Streaming dominam também cada vez mais o mercado da dramaturgia.
9. Considerações finais:
As novelas tiveram uma transformação ao longo do tempo, temas políticos passaram a ser incorporados nas tramas após os anos 2000 nas novelas da Televisa. Ultimamente a receita é idêntica as da dramaturgia da nossa conhecida Globo: Até as tramas com histórias simples, precisam de um pouco de realismo ou de merchandising social. As pessoas se identificam com problemas sociais e interagem melhor com as tramas. Em 2019 foi o ano que o México conquistou a maior representação feminina no congresso da Historia, através do voto. Foj aprovada em 2019 a lei de paridade, organizada por mulheres do movimento de mulheres municipalistas (Confederação Nacional de Municípios, 2019). Há mudanças politicas no presente que deixa aquele cenário das novelas em que se comercializava a trama da personagem sofrida e salva por um príncipe encantado, que é a critica de ALMEIDA (2002), além do melhor tratamento a mulher como identidade humana e civil, que antes era punida por ser independente, e objetificada, sendo critica de HOLANDA JERKE SEVILLA PALOMARES (2015). Há mudanças também tecnológicas ao longo do tempo, que mudam a forma de ter acesso as telenovelas. Antes a TV não era a cores, e pouco material se tem gravado, e hoje está tudo no streaming na internet, Mudanças tecnológicas aparecem nos cenários das novelas, quando surgem computadores e smartphones nos cenários do tempo imediato. Rubí (2020) pode ser analisada como uma critica a uma sociedade ainda machista, e que as mulheres conseguem ser independentes e resistindo as ondas conservadoras. Temas críticos a violência doméstica são cada vez mais presentes nas américas, como no Brasil, pós aprovação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006), que pune homens pela violencia doméstica contra mulheres. A Homofobia também se torna crime no Brasil, e varios Países nas Américas a partir dos anos 2000 passam a aceitar juridicamente o casamento homossexual. São demandas Historicas, que rompem protestos desde o inicio do século XX assim como a luta pelo reconhecimento civil das pessoas negras. As novelas se adaptam as novas demandas sociais, problematizam o racismo e o machismo, ja que as emissoras tem trabalhadores identitários dessas diferenças. Também pode haver o obedecimento de leis, ja que ações machistas ou racistas pode causar processos por casos de racismo ou de violencia contra a mulher sobre atores ou corpo da emissora de TV. Mas tudo isso dentro de seus espaços e tempos na nossa diversa america latina.
Não é a toa que essa Rubí tem um desfecho diferente, terminando rica, independente, e linda como é em toda a trama desdee o início, mesmo sofrendo com tentativas de diminuirem-na como objeto dentro da trama. Ela dá a volta por cima e coloca os machistas escrotos nos lugares deles. Melhor aula de História que essa novela de 2020 dá sobre o tempo imediato são as reparações históricas de gênero e étnicas, pois é por uma questão étnica que Rubí abandona o Principe, e passa a pensar que dinheiro e poder não é tudo, e sim o amor de sua família e de Alejandro. Isso ja depois de se consolidar como top model de sucesso e ter bastante dinheiro guardado, até ser sequestrada pelo nojento do Heitor.
Cada Rubí tem o seu tempo, e um corpo diferente. Inseridas em contextos politicos diferentes e até em Países diferentes. O personagem é como uma alma, que reencarna e tem uma nova história, se pensarmos de forma metafísica platônica, como consta nos diálogos de A República. Assim a alma se torna eterna.
Referencias:
HAMBURGER, Esther. “Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas do cotidiano”. In: NOVAIS,
Fernando & SCHWARCZ, Lília Moritz (Org.). História da Vida Privada no Brasil 4 – Contrastes da
intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p.439-487.)
COSTA, Cristiane. “Desgraça pouca é bobagem”, “Nada personal” e “El amor tiene cara de
Mujer”. In: Eu compro essa mulher – romance e consumo nas telenovelas brasileiras e mexicanas.
(Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. pp.47-102.)
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
HOLANDA JERKE SEVILLA PALOMARES, THAIS MARIA. RUBÍ E O MELODRAMA: A QUESTÃO DO ESTEREÓTIPO FEMININO NA TELENOVELA MEXICANA. Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção de grau de Mestre em Literatura Hispano-americana, no curso de Pós-Graduação em Estudos de Literatura, área de concentração Estudos Literários e subárea Literaturas Estrangeiras Modernas Literaturas Hispânicas. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Labriola. NITERÓI 2015.
NAKAMURA, LUIS ANTONIO CORONA ; SALGADO, Eneida Desiree . Women and politics in Mexico and Brazil. SEQUÊNCIA (UFSC), v. 41, p. 112-134, 2020.
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